As plataformas digitais são espaços de comunicação, informação e entretenimento que conectam milhões de pessoas no mundo todo. Porém, elas também podem ser usadas para disseminar conteúdos ilegais, como fake news, discurso de ódio, violência e terrorismo. Esses conteúdos podem causar danos à democracia, aos direitos humanos e à segurança pública.
Por isso, é necessário regulamentar o acesso às plataformas digitais, de forma a garantir a liberdade de expressão, a privacidade e a proteção dos dados dos usuários, mas também a responsabilização dos provedores e dos autores de conteúdos impróprios, agressivos e extremistas.
No Brasil, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
O PL das Fake News tem como objetivo principal combater a desinformação e o discurso de ódio nas redes sociais, aplicativos de mensagens e ferramentas de busca. Para isso, o projeto estabelece uma série de medidas, como:
A exigência de identificação dos usuários por meio de documento oficial ou número de celular;
A proibição do uso de contas falsas ou robôs não identificados;
A criação de mecanismos de verificação da autenticidade das informações compartilhadas;
A obrigatoriedade dos provedores de transparência sobre os critérios de moderação e remoção de conteúdos;
A possibilidade dos usuários recorrerem das decisões dos provedores;
A aplicação de multas e sanções administrativas aos provedores que descumprirem a lei.
O PL das Fake News é apoiado por alguns setores da sociedade civil, como organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa, que veem na proposta uma forma de proteger a democracia e a cidadania no ambiente digital.
Por outro lado, o projeto é criticado por outros setores, como empresas de tecnologia, entidades de defesa do consumidor e da privacidade, e grupos políticos e ideológicos, que apontam riscos à liberdade de expressão e à segurança dos dados dos usuários. Entre as principais críticas ao PL das Fake News estão:
A violação do direito ao anonimato e à livre manifestação do pensamento;
A possibilidade de censura ou controle político sobre os conteúdos publicados;
A dificuldade técnica e operacional de implementar as medidas propostas;
A falta de clareza e precisão dos conceitos e termos utilizados na lei;
A ausência de participação social na elaboração do projeto.
Além do Brasil, outros países também estão buscando formas de regulamentar o acesso às plataformas digitais, com diferentes abordagens e resultados.
Um dos exemplos mais citados é o da Alemanha, que em 2017 aprovou a Lei Contra o Discurso do Ódio na Internet (NetzDG), que obriga os provedores a removerem conteúdos ilegais em até 24 horas após receberem uma denúncia ou uma ordem judicial. Caso contrário, eles podem ser multados em até 50 milhões de euros.
A lei alemã é considerada uma das mais rigorosas do mundo na regulação das plataformas digitais, e tem sido elogiada por reduzir a presença de conteúdos ofensivos e criminosos na internet. No entanto, ela também tem sido criticada por gerar efeitos colaterais, como a remoção excessiva ou indevida de conteúdos legítimos, a transferência da responsabilidade de julgar o que é ilegal ou não para os provedores, e a falta de transparência e de mecanismos de recurso para os usuários.
Outro exemplo é o da União Europeia, que em 2020 apresentou duas propostas legislativas para regulamentar as plataformas digitais: o Ato de Serviços Digitais (DSA) e o Ato de Mercados Digitais (DMA).
O DSA visa atualizar as regras existentes sobre a responsabilidade dos provedores pelos conteúdos publicados em suas plataformas, estabelecendo obrigações proporcionais ao tamanho e ao impacto das mesmas. Entre as medidas previstas pelo DSA estão:
A exigência de que os provedores adotem sistemas eficazes de notificação e remoção de conteúdos ilegais;
A garantia de que os usuários tenham acesso a informações claras sobre os termos e condições das plataformas, bem como sobre os critérios de moderação e recomendação de conteúdos;
A criação de mecanismos independentes de supervisão e fiscalização das plataformas, com poderes para aplicar multas e sanções.
O DMA visa promover a concorrência justa e a inovação no mercado digital, impedindo que as plataformas dominantes abusem de sua posição ou prejudiquem os consumidores e as empresas menores. Entre as medidas previstas pelo DMA estão:
A definição de critérios objetivos para identificar as plataformas que têm um papel sistêmico ou gatekeeper no mercado digital;
A imposição de restrições e proibições às práticas comerciais desleais ou anticoncorrenciais dessas plataformas, como a auto preferencia, a discriminação, a coleta excessiva de dados ou a imposição de condições injustas aos parceiros comerciais;
A possibilidade de intervenção estrutural nas plataformas que não cumprirem as regras, incluindo a separação ou a venda de partes do seu negócio.
As propostas da União Europeia são vistas como um modelo equilibrado e inovador para regulamentar as plataformas digitais, buscando harmonizar as normas entre os países membros e garantir um alto nível de proteção aos usuários e aos concorrentes. Contudo, elas ainda estão em fase de discussão e negociação entre as instituições europeias e os Estados membros, podendo sofrer alterações ou enfrentar resistências antes da sua aprovação final.
A regulamentação do acesso às plataformas digitais é um tema complexo e desafiador, que envolve diversos interesses, valores e direitos em jogo. Não há uma solução única ou perfeita para esse problema, mas sim diferentes possibilidades e perspectivas que devem ser analisadas com cuidado e participação.
O objetivo deste artigo foi apresentar algumas dessas possibilidades e perspectivas, com base nas experiências do Brasil, da Alemanha e da União Europeia. Esperamos que este texto possa contribuir para o debate público sobre esse assunto tão relevante para a nossa sociedade.
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